CANTINHO DO IRMÃO WALTER BARIANI (004)
SÃO JOÃO PADROEIRO DA MAÇONARIA?
Este é um tema muito complexo e polêmico, por isso é inevitável a sua analise isenta de pruridos religiosos ou de idéias pré-concebidas.
Inevitável porque surge nas Grandes Lojas brasileiras a insólita “cena de São João”, imposta pela adoção dos Rituais de 1927 (1928) como parte da Cerimônia de Iniciação ao Grau de Aprendiz Maçom, o que já incute ou direciona o neófito a crer que a Maçonaria tem laivos religiosos ou mesmo certa religiosidade, questionável, por ser sinônimo de “qualidade do que é religioso” ou ainda “tendência para os sentimentos religiosos, para as coisas sagradas”, o que, convenhamos, não cabe nos postulados maçônicos, uma vez aceita a tese de sua universalidade ampla e total, abrangendo não só os povos assim como também seus usos e costumes.
Para que tenhamos uma idéia, ainda que pálida, sobre a questão, necessário se faz retornemos aos primórdios da Ordem a fim de constatar a influencia de religiosos em sua estrutura, mas convenhamos inicialmente que a Maçonaria não é uma instituição por não ter sido instituída por ninguém e em tempo algum e todos os seus fundamentos apontam para uma organização social voltada ao aprimoramento do ser humano através da pratica do bem, ser justo e digno em suas ações familiares, sociais e profissionais e esta estrutura surgiu ao longo dos tempos, gradativamente crescendo e ampliando seu raio de ação, visando sempre o Homem.
Sua origem se perde nas brumas do tempo, no entanto é basilar o conceito de ser herdeira de todas as correntes do pensamento que surgiu ao longo dos milênios em seu caráter filosófico e científico e tendo como alicerce histórico as corporações de ofícios.
Historicamente não há como registrar uma data precisa do surgimento daquelas agremiações de profissionais, mas alguns autores citam a presença das mesmas dois mil anos antes da era cristã, enquanto outros tomam por base os Collegia Fabrorum, 600 anos antes da mesma era.
Esses grupos de trabalhadores, inicialmente, agregavam cada categoria profissional e eram os únicos que podiam trabalhar nas cidades e/ou burgos, uma espécie de cartel que perdurou por muitos anos, entretanto, as comunidades cresceram com o passar dos tempos e logicamente a necessidade de mão de obra cada vez mais premente forçou o surgimento de novas agremiações concorrentes.
A construção de palácios e fortificações, inicialmente, e de mosteiros, igrejas e catedrais posteriormente quando da implantação do catolicismo desde antes da Idade Média – o Concilio de Nicéa ocorreu no ao de 325 da era cristã, ou seja, quase um século antes do inicio daquela era -, foram as molas propulsoras daqueles profissionais, destacando-se dentre tantos clientes a Igreja de Roma quando assumiu o papel de mediadora do mundo, comandando a ferro e fogo os destinos dos povos.
O poder político-religioso implantado pelo catolicismo, na medida em que crescia no mundo conhecido de então, transformou aquelas agremiações em prestadoras de serviços permanentes e acabaram por se tornarem imprescindíveis em todas as partes onde o império papal se encontrava.
Logicamente, aqueles homens rudes e sem cultura mais apurada necessitavam do apoio da religião dominante em seus trabalhos e para angariar a simpatia do clero adotou um padroeiro, cuja escolha caiu no colo de São João, o Batista.
Mas, por que esse santo especificamente?
Primeiramente, a devoção a santos, anjos e demais denominações celestiais, não existia antes do domínio papal e os povos tinham seus deuses, variando de castas e profissões, sendo o deus protetor dos construtores, Janus, uma personagem romana e, afirmam alguns estudiosos, anterior aos deuses gregos.
Os pedreiros livres tinham liberdade para transitar entre as cidades, feudos e até mesmo países, graças às necessidades da mão de obra especializada naqueles tempos tão carentes de tudo. Como precisavam ter as portas sempre abertas nada melhor do que um deus das portas e portais como também das entradas, senhor do sol e do dia para os proteger.
Era um deus que tinha duas faces, uma olhando para o sul e outra para o norte e seu culto ocorria nos solstícios de inverno e verão, ou 24 de junho e 27 de dezembro, mesmas datas determinadas pela igreja para o culto aos Joões Batista e Evangelista e não por mera coincidência…
Ora, com a cristianização imposta de cima para baixo, a ferro e fogo, lógico raciocinar que os pedreiros livres se viram forçados a adotar um santo católico como protetor e ninguém mais à mão do que São João, pois este foi inspirado exatamente em Janus, o antigo deus dos construtores.
Ainda na época das corporações de oficio, suas reuniões eram secretas e tinham a denominação de lojas, isso é, lugar de reunião, das quais apenas seus membros podiam participar, sendo a mais importante delas a Loja de Kiwilning, na Escócia, em 1140, que se transformou dez anos depois em Grande Loja Mãe de Kiwilning, em 1150, pela necessidade de congregar as muitas células que foram surgindo com a expansão das cidades em todos os países, notadamente na Grã Bretanha.
Posteriormente, essas agremiações receberam em seus seios personagens ilustres, como em 1236, quando James, Lord Steward da Escócia, foi eleito Grão Mestre daquela Grande Loja e recebeu como membros da mesma os Condes de Gloucester e Ulster, além de outros nobres ingleses e irlandeses. Os motivos que o levaram a essa ação continuam desconhecidos, no entanto, foi o marco inicial da presença de não-construtores em uma corporação de oficio.
Com essa abertura também tiveram acesso às corporações outras pessoas, inclusive religiosos católicos, cuja finalidade era a de conhecer os segredos em construções em poder dos pedreiros livres, visando, especula-se, não dependerem mais da mão de obra fora de seus quadros, ou seja, os clérigos passariam a construir seus próprios edifícios, o que não se confirmou ao longo dos tempos.
Um dos episódios mais marcantes na historia da Maçonaria Moderna ocorreu em 13 de outubro de 1307 quando a Armada Templária conseguiu escapar das tropas de Felipe IV, ancorada que estava no Porto de La Rochelle, frustrando os planos do Rei e do Papa em se apossarem dos tesouros dos Templários.
A Armada conseguiu abrigo em países inimigos da França e do Papado e até mesmo em países considerados amigos, como a Escócia, governada por Robert Bruce, que, inteligentemente, visando não contrariar seus aliados, fez com que os Templários fossem “iniciados” na Grande Loja Mãe de Kilwining, que já abrigava outros não construtores em seu quadro, resguardando-os das perseguições movidas pela dupla francesa.
A presença da Armada na Escócia foi providencial, pois o país estava em guerra com os ingleses e sofrendo derrotas seguidas. O Rei Robert Bruce, contando com o apoio dos Templários, seus navios e táticas de guerra, e mais 6 mil soldados, derrotou o exército de Eduardo II, composto por mais 20 mil soldados ingleses, naquela que ficou conhecida como a Batalha de Bannockburn.
Com o ingresso de não construtores nas corporações, lógico aceitar a influencia dessas pessoas nos destinos daquelas agremiações, pois não havia apenas políticos e nobres, mas pensadores como os Illuminati, os padres com sua erudição religiosa, rosa-cruzes, e lógico, os Templários composto não apenas por guerreiros, mas com estrategistas de combate, matemáticos, filósofos, cientistas, conferindo aos instrumentos apropriados ao oficio da construção, valores simbólicos que perduram até os dias atuais.
Passando a narrativa para nosso país, pois é aqui que ocorre essa insólita “cena de São João” e em nenhum outro que seja de nosso conhecimento, relembremos que durante o império a igreja católica era regalista, ou seja, seus membros eram sustentados pelo governo e desfrutava de privilégios e regalias concedidos pelo Império.
Consultando Luiz Gonzaga da Rocha em seu ótimo “A Bucha e outras reminiscências maçônicas”, editora A Trolha, vemos que o “Papa Pio IX, cujo pontificado ocorreu entre 1846 e 1878, maçom perjuro e traidor, publicou em 1864 a Encíclica “Quanta Cura” e a “Bula Syllabus”, onde, dentre outras determinações, proibia terminantemente que católicos participassem da Maçonaria, ao mesmo tempo em que também proibia a presença de Maçons nas instituições ligadas ao Vaticano, mas no Brasil a presença de clérigos e católicos na Maçonaria era considerável, uma vez que essa instituição milenar não era proibida pelo governo brasileiro”.
Ora, a Maçonaria era uma força política considerável e nada mais natural a presença de muitos clérigos iniciados na Ordem visando desfrutar das benesses proporcionadas pela mesma, onde se destacavam as influências no campo político, social e até mesmo econômico a seus membros.
Os religiosos, cultos, conheceram os primórdios da Maçonaria enquanto operativa e constataram a presença de um padroeiro e esse era ninguém menos do que São João Batista e a lógica se deu quase de imediato: pespegaram o padroeiro na Maçonaria brasileira, no entanto havia um problema: como incluir o santo na prática maçônica…
Havia – e ainda existe – em alguns ritos praticados não só no Brasil, durante a Cerimônia de Iniciação, um quadro teatralizado por Irmãos configurando uma suposta traição aos “segredos da Ordem” onde os atores discutem e partem para o confronto e ocorrendo a morte do suposto traidor, com grande alarde para despertar a atenção do candidato, ainda vendado, sobre os destinos dos “traidores da Maçonaria”. Em seguida o candidato é desvendado em local apropriado e vê o “traidor” morto seguido de palavras que exaltam a fidelidade, a fraternidade e o juramento de segredo inviolável.
Logicamente que tal encenação não poderia ser adotada por um rito diferente sob pena de plágio, então nada mais fácil que adaptar toda a encenação, assim, em lugar do “traidor” surge o “mártir” e esse é lógico, São João, o Batista.
Mas, a Maçonaria brasileira não se contentou em ter apenas um padroeiro, precisava de mais alguns para aplacar o desejo de incluir na prática maçônica os resquícios religiosos de tantos que ainda não entenderam que a Ordem não se presta a isso, assim, mesmo contra os princípios não religiosos encampados pela Sublime Ordem, pespegaram o Batista como padroeiro do Grau de Aprendiz, o Evangelista para os Companheiros e desencavaram um Esmoler ou da Escócia, para os Mestres…
Vejamos o que vem a ser um padroeiro, de acordo com os dicionários brasileiros.
“Padroeiro: que ou o que detém o direito do padroado, aquele que defende, protege”.
“Que ou quem fundou ou ofereceu doações a um mosteiro”.
Para completar: “diz-se de ou santo escolhido como protetor ou intercessor junto a Deus”
Ora, estes conceitos são próprios da pregação Católica Apostólica Romana e a nenhuma outra crença ou religião, o que confronta a universalidade maçônica e seu postulado calcado na isenção de qualquer crença por mais seguidores tenha em seus quadros.
A Maçonaria não pode ter padroeiros ou patronos por ser totalmente excludente tais figuras, uma vez constatada sua formação absolutamente laica, porque como instituição, não pertence a nenhuma ordem religiosa, é contrária à influencia e ao controle de igrejas sobre a vida intelectual do cidadão, independente, portanto, de toda confissão religiosa, por ser formada por cidadão oriundos de todas as classes sociais, todos os extratos religiosos e políticos, e a adoção de padroeiros conflita com aqueles que não seguem as linhas católicas apostólicas romanas ou qualquer outra denominação religiosa.
Em respeito ao laicismo da Maçonaria Universal, não aceitamos essas imposições de padroeiros, patronos, leituras de trechos da Bíblia em detrimento dos demais livros tão sagrados quanto, e nos recusamos a participar de tal encenação por contrariar frontalmente nossa formação maçônica que prima pela liberdade de pensamento.
Respeitamos o pensamento contrário, desde que amparado por argumentos lógicos inquestionáveis a favor do catolicismo dentro da pratica maçônica.
Repetimos: a Sublime Ordem Maçônica prima seus postulados pelo exame histórico da humanidade, que é sua própria historia, dentro dos princípios basilares da liberdade de pensamento, do respeito à crença de todos, sempre respaldados pela igualdade e a fraternidade universal.
Porto Velho, RO, 13/02/2018.