COLUNA POR UM
Walter de Oliveira Bariani
O ELO PERDIDO
Era uma vez, no tempo em que os bichos falavam, em um lugar nem tão, tão distante assim, havia um reino denominado por Éden, um paraíso cujo soberano vivia na ociosidade, porque ali tudo brotava gratuitamente da terra, além da água.
Havia fonte de leite e de mel, e das árvores pendiam frutos que nos outros lugares do planeta não existiam, assim, não era necessário ordenhar as vacas e tão pouco enfrentar as abelhas para lhes roubar o precioso alimento e correr os riscos de chifradas, coices, ferroadas e outras punições mais.
No entanto, o soberano enfrentava um grave problema: seu reino não tinha súditos, vassalos, ou outras quaisquer formas humanas sobre as quais deveria recair seu poder e domínio, mas como era muito poderoso, resolveu a questão modelando no barro uma figura a quem classificou como Homem e, soprando nas narinas do dito cujo, eis que a vida se implantou e surgiu o primeiro ser humano na face da terra, a quem chamou por Adão.
Passados algum tempo Adão se apresenta perante o soberano e reclama da solidão em que vivia, porque não tinha ninguém com quem conversar e se aquecer nas noites frias e o que era pior, cabia a ele arrumar a casa, lavar as louças, as roupas – se bem que estas eram folhas de parreira trocadas regularmente.
O soberano pensou, pensou, e se decidiu a resolver o problema do Adão, entretanto, o barro havia sofrido embargo pelo sindicato dos porcos que reivindicava para a classe o direito de explorar os mananciais.
Como não havia policias ou forças armadas para invadir o barreiro, o soberano teve que se virar e encontrar um novo meio de resolver o problema da solidão em que vivia o Adão.
Um dia, Adão estava dormindo um sono pesado, resultado de uma carraspana imensa ocorrida na noite anterior, e o rei viu a oportunidade de resolver o problema. Aproveitando a anestesia alcoólica, tirou uma das costelas do dorminhoco e com ela realizou a primeira e única clonagem transformista da historia da humanidade, criando a Mulher, a quem chamou por Eva.
Quando Adão acordou e viu Eva ao seu lado, a alegria foi tanta que até esqueceu a dor da cirurgia, mas em pouco tempo ele sentiu que as coisas não mudaram tanto assim para o seu lado, porque, a companheira pretextando dor de cabeça, cansaço e “aqueles dias”, além de não o aquecer na cama, ainda lhe sobrecarregava com a limpeza da casa, lavar os pratos, trocar as folhas, etc…
Eva, como toda mulher, estava deprimida por não ter uma amiga ou vizinha com quem conversar e saber das novidades do reino, falar da vida alheia e, principalmente, reclamar do marido, entretanto, essa nostalgia durou até o momento em que encontrou na serpente a amiga que lhe faltava. As duas ficavam horas e horas colocando o papo em dia, enquanto Adão se virava para cuidar da casa e dos filhos que haviam nascido e estavam na adolescência.
Caim, o mais velho, era rude, grosseiro, e cuidava do rebanho de ovelhas e cabras da família – não se sabe por que tinham tal rebanho, uma vez o Éden ofertar tudo de graça – entretanto, era dado a andar em más companhias e volta e meia era flagrado junto a um bando de gorilas que aterrorizava o paraíso, derrubando os ninhos dos pássaros e roubando seus ovos, perseguindo e estuprando as macacas mais novinhas, enfim, era um bando da pesada.
Quanto ao irmão mais moço, Abel, era a antítese do outro. Delicado, cabelinhos cacheados caindo sobre os ombros, mãos imaculadamente limpas e bem cuidadas, era o preferido da mamãe e do papai.
Adorava cuidar da casa e inventar novos pratos salgados e doces com os quais brindava a gula dos pais e ainda encontrava tempo para fazer a manicure, escova e chapinha na mamãe, além de tirar as cutículas do papai.
Os bichos haviam criado alguns clubes de futebol – esporte que alguns milênios mais tarde foi encampado por um povo bretão – e a diferença entre os dois irmãos mais uma vez se fez notar, pois enquanto Caim era corintiano, Abel era são-paulino.
Um dia, depois de uma discussão sobre um pênalti que o juiz marcou indevidamente a favor do time corintiano, Caim acabou matando a Abel quando este acusou o time do irmão de ser amigo do apito, aliás, tradição que dura até os tempos atuais.
Logicamente o assassino foi expulso do Éden, para todo o sempre.
Quando estava passando pelos portões daquele paraíso, guardado por querubins com suas carantonhas horrendas e armados com espadas de fogo, foi interpelado por um dos guardas.
– E ai, manô, tá indo embora?
– É isso ai, manô, tô saindo, tá ligado?
– Você pretende voltar?
– Só quando o curintia ganha a libertadores, tá ligado?
Assim falando, Caim colocou a trouxa amarrada na ponta de uma vara nas costas e sumiu no caminho.
Um dos querubins que não entendeu a resposta do moço, perguntou ao companheiro se Caim voltaria ao Éden.
– Se ele cumprir com a palavra, não volta nunca mais…
Decorridos muitos anos, eis que Cain retorna à casa paterna acompanhado por esposas, filhos, netos, netas, e um bando de gente, mas como estava proibido de entrar no Éden, acabou por fundar uma cidade nas cercanias e ali viveu até morrer.
Aqui está um dos pontos mais controversos entre a ciência e a religião, porque, se havia apenas Adão, Eva e Caim, quem era essa gente que o rapaz descobriu e formou tão numerosa família? Como isso era possível uma vez não existir mais nenhum ser humano no planeta?
Ocorre que, durante sua juventude, Caim ao acompanhar o bando de gorilas em suas investidas contra os demais moradores do paraíso, também participava das barbáries aprontadas pelo grupo e em uma ocasião conheceu uma chipanzé da qual se enamorou perdidamente. Foi amor à primeira dentada!
Quando de sua expulsão, combinou com a amada de se encontrarem fora dos domínios paternos e viverem juntos para sempre, o que realmente aconteceu.
Juntos partiram e acabaram por encontrar outros grupos de chipanzés com os quais se juntaram e formaram uma família imensa, comandada pelo próprio Caim.
Os filhos oriundos do acasalamento entre o jovem e a macaca eram um misto de homem e símio e, como todo filho procura imitar o pai, desceram das arvores e começaram a caminhar eretamente, a principio com dificuldades, mas enfim conseguiram.
A miscigenação entre os filhos do casal com as chipanzés do grupo acabaram por formar uma nova espécie hominídea e a partir de então, de evolução em evolução, surgiu o homo sapiens dos dias atuais.
Darwin morreu sem encontrar o elo perdido entre as raças e a culpa por esse fracasso deve recair sobre a beligerante relação entre a ciência e a religião, porque se houvesse um pouco de boa vontade dos cientistas e menos desejo de ocultar a verdade por parte das religiões, certamente, essa historia viria à tona e o tão procurado elo perdido estaria descoberto há anos…
Porto Velho, RO, junho de 2012.